quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Meu avô

Vi no blog da minha amiga Rapha um relato muito bonito sobre o que ela tinha aprendido com sua amada avó e me senti na obrigação de relatar o que aprendi com o meu. Não são muitas coisas a contar, mas espero, com esse relato, eu mesmo entender quem foi esse homem e o que ele realmente significou na minha vida.


Sandoval Guimarães Loureiro - pai de Sandoval Jorge Guimarães Loureiro - pai de Robson Jorge Oliveira Loureiro - pai de (acho que meu filho não vai ter o "Jorge". Não sei. Estou pensando nisso ainda.). Pra início de conversa esse era o meu avô no início do início do que posso me lembrar dele. O pai do meu pai. Qualquer outra lembrança sobre quem ele era acabou se suprimindo em gritos, bebidas, tapas, humilhações e terror. Creio que dos meus 4 aos 12, ou 13 anos, era assim que eu poderia classificar a casa do meu avô em uma prateleira de locadora. Terror.


Claro que isso nem sempre. Quando se embalava na "cadeira de macarrão" da sala assistindo tv, quando estava dormindo, quando ia almoçar ou só andar por aí ele até poderia ser considerado um avô. Não dos mais amorosos, mas um avô. Infelizmente a probabilidade dele sair de casa e não voltar bêbado era quase nula. Eu e meu irmão nos divertíamos muito quando meu avô saia, mas sempre com um temor no coração de quando ele voltasse. E ele sempre voltava.


Desde o começo da rua podíamos ouvi-lo gritando palavrões e vê-lo cambaleando pela calçada. Minha mãe diz que ele tinha tido um derrame a muitos anos atrás e por isso andava assim. (Íncrível como minha mãe sabe mais da vida do meu avô do que o próprio filho dele. Ou talvez meu pai só não goste mesmo de lembrar). O fato é que essa era uma hora de horror em mim. Não sei por que ele implicava mais comigo. A coisa da qual eu mais me arrependia era de não prestar atenção e ser pego de surpresa brincando no chão da sala quando ele aparecia de repente na porta gritando e tentando puxar meu pé e tacando o cinto de couro nas minhas costas. Eu saia correndo desesperado pro segundo andar da casa onde ele não conseguia subir graças ao derrame (bendito derrame que quase levou a vida dele e muitas vezes salvou a minha). E durante a tarde toda ouvíamos os gritos e xingamentos dele pra nós, nossas tias e minha avó. Humilhante. Triste. Dramático. Meu avô foi o maior vilão da minha infância.

Poucas coisas eu posso dizer que sei dele. Mas pelo menos posso dizer alguma coisa.


Sei que ele era órfão (novamente pelos relatos de minha materna) e acabou sendo adotado por um homem que o registrou com o tão consagrado "Loureiro". Nome esse que tenho orgulho de ostentar não pelo meu maior inimigo, mas sim pelo meu maior herói. Meu pai. O homem com o qual sempre gostei de aprender.

Sei que um dia ele havia sido um radialista até famoso que ganhou muito dinheiro e gastou tudo em bebidas e mulheres. Isso com ele já casado. Aparentemente depois do derrame sua carreira chegou ao fim. Aparentemente toda sua vida acabou assim também.

Sei que vivia bêbado pelos bares e esquinas da Sete de Setembro e meu pai, sendo o mais velho, desde a adolescência já precisava tomar conta da família. Eu tenho oito tios ok? Muita gente pra um menino de 16 anos cuidar.


Sei que meu avô foi quem deu os genes do “economismo” pro meu pai. Talvez do cúmulo da avareza. Minha mãe conta que um dia ele ia fazer ovo frito e deixou cair o bendito no chão graças a pouca força no braço esquerdo atingido pelo derrame. Sem reclamar ou pestanejar pegou uma pá de lixo, juntou o ovo, fritou e comeu com farinha. Assim eu vejo do que nosso sangue economista é capaz.

Sei que meu avô tinha tido uma juventude boa pelas músicas que tentava cantar ouvindo pelo rádio quando estava bêbado. Claramente ele buscava aquela alegria que ele mesmo enterrou de baixo da cachaça e da cerveja. Afogada no álcool de uma alma destruída que tentava destruir a todo o resto. Talvez ele fosse como um alguém que tenta sair de um buraco de lama. Até mesmo suas tentativas de liberdade acabam por afundar mais quem o ajuda. Meu avô não tinha mais futuro a muitos passados atrás.

Sei que ele até que amava seus filhos e pode-se dizer que até sentia falta deles. Isso pelos gritos e insultos dados a alguns e beijos e abraços a outros. No fundo creio que ele amava a todo mundo mesmo que não conseguisse demonstrar. Pelo menos é a única coisa boa que consigo pensar dele e não quero perder essa ilusória constatação. Ainda gosto de pensar que meu avô também foi um ser humano, mesmo que muito atormentado por fantasmas próprios que o amarravam a correntes grossas e a grandes bolas de metal.



Lembro de estar jogando vídeo game com o meu irmão em casa quando o telefone tocou. Como estava na vez dele eu fui atender. Era minha tia perguntando pelo meu pai (que não estava) e pedindo pra avisar a ele da morte do meu avô. Eu disse que tudo bem e desliguei. Contei ao meu irmão o que tinha acontecido e ficamos longos 30 segundo em silêncio. Depois disse que era a minha vez no jogo e voltamos ao que estávamos fazendo.

Meu avô morreu deitado na cama, por insuficiência respiratória. Sozinho. Minha tia, a que tinha ficado com ele naquele dia, havia saído pra comprar pão, eu acho, e minha avó estava visitando outros parentes. Assim ninguém estava com ele nos últimos segundos. Ninguém pra dizer "ele parecia em paz quando morreu". Particularmente acho que ele agonizou e realmente teve muito medo. Um medo que tinha muito medo de ter. Isso não me alegra. Nem me entristece. Não me dá emoção alguma. Um vazio. Meu avô era meu maior vilão.

De herança dele fiquei com um relógio que posso não usar mas tenho um grande desejo de mantê-lo até a minha própria morte. Talvez porque no fundo eu me importe mesmo com valores familiares. Não sei se ele deixou o relógio de propósito pra mim ou se foi em um acordo familiar. Só sei que ele gostava mesmo do meu pai. Que tinha orgulho dele.


Meu avô não me ensinou nada além de lutar pela minha vida. A lutar pelo que quero e pelo que preciso. Meu avô me deu extinto de sobrevivência de uma maneira bem simples. Tentando me espancar e me tirar de debaixo da cama. Tentando quebrar a porta do banheiro quando eu estava usando, e arrancando meus cabelos com raiva. Talvez daí venha esse meu ódio por quem os puxa.

Talvez, na verdade, meu avô tenha me ensinado a maior das lições. Sobreviver a tudo e a todos. Até mesmo, a ele.

2 comentários:

Ana Nogueira Fernandes disse...

neo, o post que tah no meu blog eu escrevi pro garotas..
mas como não tinha nada pra eu publicar agora eu coloquei no meu.

fiz um post de apresentação também.. acho que ficou bom.

le o texto que tah no meu blog e ve se tu aprova.

"mal de eva" também vai pro garotas algum dia.. le mais uma vez pra ver como tah.
blz?!

tem problema fazer dessas coisas?
eu me sinto tão repetitiva. ehehehe


beijãão.

Ana Nogueira Fernandes disse...

ps: "Glamour e Canelas" tem uma pequena adaptação pro blog pessoal, mas no mais tah a mesma coisa.